Tem um garoto chamado Rafael Gomes (1) que postou no blog dele (2) um texto incrível sobre “A Vida na Praça Roosevelt”, com a qual voltamos ao cartaz no sábado, 21, nos Satyros 1. Leiam o texto que o Rafael escreveu sobre o espetáculo. E vejam. Ou revejam. Beijos
TEATRO
Rafael Gomes
A vida urbana é algo complexo e fascinante. Qual foi o momento da História em que decidimos nos aglomerar obsessivamente, canibalizando-nos para ocuparmos todos o mesmo espaço? Com tanto mundo ainda vazio, qual é o fenômeno que nos faz literalmente empilharmo-nos em prédios, trancarmo-nos em grades? Por que destruímos os espaços vazios preenchendo-os com toda sorte de construção (material)?
E onde fica aquilo que fica de fora? Onde ficamos quando ficamos de fora?
Numa selvagem floresta civilizatória (e civilizada?), qual o espaço, afinal, que nos cabe como indivíduos?
Se nenhum outro, a Praça Roosevelt, no centro de São Paulo. Se não para todos, para a companhia teatral Os Satyros, anjos tortos capazes de nos reposicionar no mundo e de sagrar às margens da vida seu real encanto e pleno humanismo.
A Vida na Praça Roosevelt, da dramaturga alemã Dea Loher, levada à cena pelo diretor Rodolfo García Vázquez, é espetáculo de comprimir a alma, arte redimindo pela dor e pela generosidade. Espelho invertido que se ergue defronte o público, a peça coloca “o(s) outro(s)”, esse ser tão perto e tão longe, no seu devido lugar – o lado sombreado de cada um de nós, o complemento, ainda que antitético, de nossos corpos, corações, fraquezas e alegrias. A outra face da lua.
Uma encenação faiscando de energia vital (que é a energia teatral, e vice versa), que vibra como celebração de encontro. Uma obra que é Arte porque tem coragem sem prepotência, ousadia sem gratuidade, garra legítima, sinceridade em riso e pranto.
A direção estimula a estética com marcações, tons, sons, luzes, sentidos e sensações que fazem borbulhar o jogo teatral. O elenco, homogêneo em sua deliciosa pluralidade, faz arder de ética, com muito sentimento, as paredes gastas de um teatro apertado – mas que não precisa ser maior do que é para conter em si o mundo inteiro.
E a sintonia é tal que faz palco virar platéia, angústia virar arte, escuridão virar luz (ainda que de uma lanterna) e margem virar centro (centro do palco, da praça, de São Paulo, centro palpitante e frágil do coração). Enfim, eu virar o outro e, dessa forma, transformar-me mais, apenas e essencialmente em mim mesmo.
E entre jovens e mais jovens, homens, mulheres, transexuais, altos, baixos, magros, gordos, nus e vestidos, todos têm sua particularidade, seu lado mais interessante a mostrar. Mas nesse esconde-esconde escancarado, submersos em uma verdade que transita do naturalismo ao expressionismo sem prejuízos, a dignidade assombrosa de Ângela Barros e Ivam Cabral e o arguto controle dos limites da caricatura que possuem Fabiano Machado e Nora Toledo não podem passar despercebidos. Ah, assim como não se deixa de adorar a estatura épica que atinge, aos poucos, a Aurora de Alberto Guzik.
Você aí que tem medo, que morre de medo dos lobos-maus e Chapeuzinhos e Pinochios e anões e Bambis e Dumbos e Cinderelas e madrastas e Belas-Adormecidas e caçadores e vovozinhas da florestona São Paulo, faça um bem a si mesmo e vá ver como anda a vida na praça Roosevelt, nos Satyros.
É capaz de você sair de lá pelo avesso de você mesmo.
Escrito por Alberto Guzik às 19h59
(1) Rafael Gomes
(2) http://rafaelgomes.blogspot.com.br/ (?)