Fui convidado por Ivam Cabral e Jarbas Capusso (1)pra participar com um conto de um projeto bacana, que envolve gente legal como o Marcelino Freire e o Bactéria(2) . Topei com prazer e escrevi o conto, que aqui está em primeira mão:
No Escurinho da Praça (primeira parte)
Alberto Guzik
“Afinal, eu sou Eloy Helol”, ele diz em voz alta, com certa veemência, enquanto caminha, raivoso. Ecoa na rua por um breve momento o nome. Esse nome molhado pelos sons úmidos do l e pelos tons redondos do o, que tem como proprietário uma figura alta e esguia que já ultrapassou os 40. Tem vasta cabeleira ondulada, cujos fios brancos o dono ciosamente esconde sob tinturas de vários tons de castanho. Os cabelos oscilam para um lado e para outro, seu brilho macio refletindo as luzes da noite, enquanto seu proprietário bate firme os calcanhares no piso esburacado. A cabeleira é destaque de um conjunto sem maiores atrativos. A magreza do corpo é excessiva. O rosto tem traços demasiado agudos, muitos ângulos retos, olhos incansáveis, algo agressivos. Veste jeans e camiseta, roupa agarrada nas carnes escassas. Usa tênis prateado.
Desce a Rua Augusta e entra na Praça Roosevelt. Na esquina com a Nestor Pestana, do outro lado da rua, na mureta que se abre para o túnel sob a praça, Eloy avista dois garotos. Adolescentes. Não devem ter mais de 16. Não são bonitos. Nem feios. Joga a favor deles a juventude. Estão parados perto do carrinho de cachorro quente, bermudas largas, camisetas de bandas de hip hop, bonés. Um calça havaianas, o outro, um tênis detonado. Eloy observa de relance os meninos. Estã tão irado! Como aquele filho da puta pôde fazer isso? Pelo celular. E logo com ele. “Eu sou Eloy Helol”, repete mais uma vez, como se precisasse se certificar do fato. Seu nome é gritado três tardes por semana, pela platéia do programa de tevê que aplaude Eloy Helol, estilista que desenha figurinos pedidos pelas espectadoras. É verdade que o coro não é espontâneo. Quem puxa os aplausos é a apresentadora do show diário de variedades que inclui o quadro protagonizado por Eloy.
Agora ali está ele, a caminho de casa, na avenida Ipiranga, puto da vida. E era tão importante que dormisse bem. Amanhã é dia de programa. Na verdade hoje, pois já passa das duas da manhã. Não deveria ter ficado tanto na festa. Não teria recebido lá o telefonema fatídico, que quase o levou a desmaiar na varanda da amiga aniversariante. O problema é que quando não dorme suas benditas oito horas fica com olheiras horrendas e rosto mais encovado ainda. Como pôde fazer isso, o cachorro, o canalha, o escroto. Percebe que os garotos olham para ele, dizem alguma coisa e riem.
O mais alto, moreno claro, dá uma piscada e passa a mão no sexo. Eloy segue seu caminho. Olha para trás. Os meninos o seguem pela outra calçada. Estuga o passo. “Maneiro o seu tênis, tio”, ouve. Quase sai correndo. Mas está com tanta raiva. Não vai levar essa indignação para casa. Vira-se para os meninos: “Tão querendo o quê?” “Nada, tio, só zoar.” “Não sou teu tio.” “Calma, tio. A gente não é trombada. Só tamo querendo zoar. Se o tio quiser morrer com algum depois…”
Eloy Helol não pensa duas vezes. Atravessa a rua. Pensa rápido. Os meninos são menores, isso é evidente. Ele, uma figura pública, não pode se arriscar a levá-los para um hotel. Para casa então, nem pensar. Que fazer? Os garotos passam as mãos nos sexos e sorriem, debochados. Eloy então decide. “Dou cinquentão pros dois.” “Falou, tio”, diz o mais alto, que tem um sério caso de acne. Mas isso não importa a Eloy. Não vai convidar o menino pra jantar. Agora quer se vingar. Sentir que é capaz ainda de provocar excitação. Filho da puta. Foi tanto tempo! (segue)
“Vamos ali”, aponta para um desvão da praça, envolto em sombras. Um recuo de colunas impede a visão da rua. Avança destemido. Que de pior pode lhe acontecer? Ser espancado, roubado? O que sente agora é pior que isso. Pouco importa. Os meninos vão atrás. “Passa a grana, tio.” “Não sou teu tio. E só dou grana depois.” “Agora, tio, o nada feito.” “Depois”. “Agora, tio.” O mais alto pôs o pau para fora. É bonito, de bom tamanho, está quase duro. “Tá bom.” Tira o dinheiro do bolso, passa a nota para o guri. “Vai, viado, chupa.” O caralho é grosso e cheio de veias. Tem um cheiro que faz o coração de Eloy bater mais forte. Ele se ajoelha e aproxima os lábios da carne quente e pulsante. O menino segura-o pelos ombros e empurra sua cabeça de encontro à pica. Eloy engasga, afasta-se para tomar ar, leva um tapa. “Chupa, viado.” Eloy estabelece um ritmo. Está com medo. Quer sair dali. O outro garoto se aproxima, piroca em riste. É menor e mais fina. Eloy segura-a e masturba o segundo garoto, franzino e sardento, que resmunga palavras indistintas. “Vô te fudê, tio”, diz o mais alto. Eloy decide que isso está fora dos limites. Não vai permitir. “Vô te fudê, tio, e tu vai chupa o Rubinho.” O menino mais alto se dobra, sem tirar a vara da boca de Eloy, e tenta, com ajuda do franzino, baixar as calças de Eloy, que engasga na rola e sente-se alucinado.
Uma luz forte, um berro. Não são visões do orgasmo.
“Parados aí, polícia!”
“Ó, é aquele cara da televisão!”
“Ih, meu. Sujeira. Com menores.”
“Pedofilia.”
Vão todos para a delegacia. Os meninos são encaminhados para uma instituição. Eloy é fichado e passa a noite no xilindró. Não prega o olho, apavorado, trêmulo. Na manhã seguinte um advogado da emissora o tira de lá. Vai responder por violento atentado ao pudor, mas em liberdade.
Vê sua cara na banca de jornal. Nunca tinha aparecido numa primeira página. Agora… Algemado, saindo do camburão, agonia nos olhos capturada pela foto. Vai pra casa, destruído. Quer tomar uma chuveirada.
“Eloy, não precisa fazer aparecer no programa hoje. Procure o departamento de pessoal da emissora.” A produtora deixou o recado na secretária eletrônica. Não poderia ter falado com ele frente a frente? Humilhante. Que vai fazer? Pensa em se atirar do viaduto.
Telefone.
“Eloy?” “Sim.” “Aqui é a produção do ‘Tarde Cheia’. Você pode falar?” É um programa concorrente daquele em que esteve empregado até umas horas atrás. “Posso.” “Ficamos sabendo que a TV TV te dispensou.” “As notícias correm.” “Taria interessado em fazer um quadro com a gente?” “Eu?” “Claro, meu. E começando hoje. Quer vir aqui pra gente conversar?” “Mas…” “Quer ou não quer? Você tá famoso, cara. Vamos transformar você em um repórter de escândalos. E vai começar contando a tua história. Topas? Pode até dizer que foi tudo armação da polícia. A gente banca. Que tal?” “Mas eu sou estilista. Sei desenhar roupa. Que história é essa?” “E você acha que nesse ramo tu ainda tem futuro? Depois do que aconteceu?” “Que horas é pra estar ai?”
O coração de Eloy bate forte enquanto tira a roupa para entrar no banho. Então pensa nos meninos. No caralho belo e grosso do mais alto. Onde estarão? Que tal uma entrevista com eles?
Escrito por Alberto Guzik às 11h46