Sábado. Termina “A Vida na Praça Roosevelt”. Saio do camarim (sou sempre um dos últimos, demoro pra desmontar a Aurora). No bar do teatro, cheio e borbulhante, como sempre, um jovem ator que acabou de assistir à “Vida”, conversa entusiasmado com Ivam, depois me cumprimenta pelo trabalho. Daí Rodolfo aparece. O ator entusiasmado fala coisas apaixonadas sobre a direção da “Vida”. E depois, pergunta admirado ao Rodolfo: “Como foi esse processo?”
E nosso diretor: “Ah, sei lá. Os atores foram fazendo, e daí eu juntei tudo. Nem lembro mais direito como foi”. Pode ser que ele não lembre, mas tem seus cadernos de direção para servirem de lembrete. Rodolfo vive carregando grossos cadernos espirais, do tipo que a gente usa na universidade, e neles anota tudo que vê e ouve, relativamente ao trabalho. Registra o que lhe interessa. Desses cadernos vão brotando os elementos que acabam por dar forma e sentido ao espetáculo. Ou seja, seu procedimento é bem diferente de “os atores vão fazendo e daí eu junto tudo”.
Mas ele o oposto do diretor fechado, que obriga o ator a seguir um caminho pré-traçado. Ao contrário. Trabalha exigindo uma colaboração estreita do elenco. As leituras da peça são marcadas por longas discussões, cena a cena, onde todas as ideias, até as mais estapafúrdias, que sempre surgem em um processo de criação, são levadas em conta. As improvisações funcionam como um celeiro de imagens, algumas das quais podem definir o conceito da montagem. Esse processo coletivo é filtrado e fixado depois por Rodolfo, que rascunha a montagem com o elenco, para daí passar a limpo todos os borrões, chegando à forma mais exata e ao cerne do que se deseja dizer.
Com “Inocência” não está sendo diferente. O elenco inteiro está em ebulição, buscando imagens, ideias, músicas, lutando para entender a dificílima e fascinante peça de Dea Loher. Até no entendimento da obra Rodolfo é coletivo. O sentido vai sendo descoberto por todos, e não é nunca imposto pelo encenador. Isso faz de nós co-proprietários dessa leitura. O admirável é que Rodolfo consiga isso em um texto que trata de derrotados, deprimidos e suicidas. Estamos empolgados com o texto como se ele fosse a obra mais agradável do mundo, como se estivéssemos fazendo uma comédia de Noel Coward (1). Duas semanas de trabalho, e o elenco está coeso, instigado. Atento. Vibrante. Isso é resultado da condução de Rodolfo, um senhor encenador.
Escrito por Alberto Guzik às 08h56
(1) Noel Coward. (1899/1973). Dramaturgo, compositor, ator, cantor e diretor inglês. Sua obra é marcada por humor e elegância, retratando – ou, por vezes, fazendo uma caricatura – o mundo dos ricos e dos aristocratas em peças como Blithe Spirit e Private Life. Ainda que também fale da classe média, como por exemplo em Still Life, que ele depois transformou no roteiro de Brief Encouter (1945), clássico romântico dirigido por David Lean.
Raul
Em 60 e pouquinhos, eu vi Raul Cortez fazendo Teteriev, n’”Os Pequenos Burgueses” do Oficina . Tinha Kusnet no elenco, Borghi, Etty Fraser, Célia Helena, só feras. E Raul brilhava com mais intensidade ainda que essas feras todas. Era um ator possesso. Não há outra palavra. Quem viu “Vereda da Salvação”(7) sabe. Um grande ator. Possesso. Fará falta.
Escrito por Alberto Guzik às 09h02