Eu fui testemunha do nascimento do Ornitorrinco lá por 1976/77. Dividia um apartamento com o anárquico e radical artista Luiz Roberto Galizia quando ele começou a trabalhar na criação do grupo ao lado de Maria Alice Vergueiro (3) e Cacá Rosset. Lembro muito bem do vigor caótico e extremado das primeiras montagens: “Os Mais Fortes”, “Ornitorrinco Canta”, “Mahagonny”, “Teledeum”, “Ubu”. Um vigor que se conservou na fase de montagens de comédias clássicas de Moliére e Shakespeare, embora as encenações fossem cada vez mais parecidas umas com as outras. E vejo agora o Ornitorrinco tentar renascer das cinzas com “O Marido Vai à Caça”, em que o veloz humor de Georges Faydeau é desservido por uma montagem muito competente, mas plana e convencional até não poder mais. A crítica do Sérgio Coelho na Folha foi super-severa e está certíssima. (1) Cacá não deveria mais colocar sob o logo do Ornitorrinco a essa sua nova produção. Ele está detonando a memória de sua principal contribuição à história do teatro brasileiro. O homem de frases ferinas em que se tornou pode tentar se convencer que isso não tem a menor importância. Mas o artista que ele é sabe que, se pensar assim, estará apenas iludindo a si mesmo. O artista não pode perder a coerência, ou perde aquilo que tem de mais importante.
Escrito por alberto guzik às 17h29
(1) Link crítica de Sérgio Salvia Coelho: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/acontece/ac0606200601.htm